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Quem semeia vento…

por | jun 21, 2017 | Blog do Geraldo Vianna

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Na semana passada, uma notícia passou quase despercebida – em meio a tantos acontecimentos políticos que empolgam a atenção da sociedade brasileira nos últimos tempos. Ela veio de Chicago (Illinois, USA), terra de vento gelado, que sopra do Lago Michigan, divisa com o Canadá. Mas o tempo esquentou por lá.

Um comício de campanha de Donald Trump, nas primárias do Partido Republicano, com vistas ao pleito presidencial de 8 de novembro próximo, teve de ser suspenso pelos próprios organizadores, por motivo de segurança. Cerca de 8 mil pessoas decidiram impedir a realização do ato, gritando palavras de ordem violentas contra o candidato e se envolvendo em confronto físico com os apoiadores dele.

Como se sabe, Trump é um empresário norte-americano que atua em diversos setores (imobiliário, cassinos, campos de golf e vários outros) e tem forte presença na mídia, há muitos anos, por deter os direitos, entre outras, de atrações como o concurso de Miss Universo e o reality show, “O Aprendiz”, que andou fazendo algum sucesso também por aqui, com o bordão infame: “você está demitido!”.

Dono de uma fortuna de U$ 4 bilhões, segundo a revista Forbes (ou U$ 10 bilhões, segundo ele mesmo), vai completar 70 anos em 14 de junho do corrente ano. E, agora que está com a vida ganha, resolveu ser presidente da República do seu país, com um programa ultraconservador, anti-imigração, antimuçulmano, racista e populista, explorando temas que mexem com o orgulho ferido do povo americano, como revela o slogan de sua campanha: “make America great again!”. Conta com o apoio do Tea Party e dos demais setores ultradireitistas do Partido Republicano.

Além de carregar essas bandeiras altamente polêmicas, representando forte ameaça a vários grupos minoritários, Trump, com sua figura arrogante, não perde oportunidade de comprar brigas com todos eles ao mesmo tempo, fazendo propostas chocantes, como a construção de um muro na fronteira com o México; a expulsão de milhões de “ilegais”, sobretudo latinos; a proibição de entrada de muçulmanos em território americano; a revogação do programa de saúde “Obama care” e outras iniciativas do atual governo no campo social.

No começo, ninguém se preocupou muito. Alguém com um programa desses com certeza seria barrado pela própria estrutura partidária. Mas, para a surpresa de muitos, mesmo não contando com a simpatia da cúpula do partido, ele veio crescendo ao longo da campanha e, hoje, é apontado como o favorito nas primárias. Tudo indica que ele vai mesmo para o confronto com a provável candidata dos democratas: Hillary Clinton, nas eleições de novembro.

Por isso é que, agora, ele começa a encontrar resistências mais organizadas e agressivas. Com certeza, o provocador Trump conseguiu fazer milhões de inimigos, além de aumentar brutalmente os custos de segurança da sua campanha. Mesmo assim, aposto que muitos outros eventos acabarão tendo de ser cancelados, por razões semelhantes às que determinaram a suspensão do comício de Chicago. Trump certamente vai responsabilizar os radicais do outro lado; aliás já o fez. Mas está muito claro que a culpa é dele, que foi ele quem criou esse ambiente de confronto irreversível.

 “Quem semeia vento colhe tempestade”. O ensinamento é bíblico – do velho testamento (Oséias,8:7). Donald Trump deve obter a indicação republicana e até pode ganhar de Hillary (as pesquisas mostram, por enquanto, uma pequena vantagem para a representante democrata). Se eleito, entretanto, não conseguirá fazer um governo produtivo, ou sequer cumprir algumas de suas polêmicas promessas de campanha. Mas será capaz de produzir turbulências globais e manter o mundo todo em permanente tensão durante pelo menos quatro anos.

Preocupações diante dessa ameaça começam a surgir na Europa, Ásia, América Latina, inclusive entre aliados históricos dos EUA.

Sempre achei que, em razão do peso daquele país na economia global e do seu protagonismo militar, a rigor, todos os habitantes do planeta deveriam poder votar na eleição presidencial americana. Utopia, eu sei, mas alguém pode imaginar o grau de risco, por exemplo, de um encontro entre Trump e Vladimir Putin? Ou a sua participação numa cúpula para tratar de assuntos do Oriente Médio?

Instalar um homem com o seu perfil no salão oval da Casa Branca, com acesso ao botão vermelho do arsenal atômico, é uma insanidade. Já chega a aberração da Coréia do Norte. Felizmente o mundo começa a perceber isso, assim como parcelas da população americana e, até, do conservador Partido Republicano. Ainda há uma chance de se evitar que esse pesadelo se materialize.

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Essa derrapada de uma democracia estável, de mais de 200 anos, como a norte-americana, deixa uma lição que se aplica perfeitamente ao atual momento político brasileiro: o ódio pode ser eficaz para destruir, mas não constrói nada. É preciso estar atento ao ambiente que vai sendo criado em nosso país, por conta da busca de um atalho para pôr fim à crise em que mergulhamos.

Qualquer solução que nasça envolvida nesse clima de confronto não poderá gerar soluções boas e duradouras. Embora traumática, a substituição da presidente Dilma por quem quer que seja é o menor dos problemas. E o maior nem é definir quem governará, mas como governará; segundo quais regras. Porque, mantida a atual estrutura de poder, ausente uma ampla reforma e administrativa, assistiremos a mais uma tentativa fracassada de o Brasil encontrar o rumo definitivo do primeiro mundo, a salvo de novos retrocessos.

Milhões de jovens que chegam agora à idade adulta não conseguem avaliar o quanto progredimos nos últimos 20 anos. Têm pressa. Com razão, querem mais; muito mais. “Fome de mudança”, dizia o cartaz agitado pelo amigo Roberto Mira Jr em plena Av. Paulista, na manifestação de domingo último, 13/3.

É natural que tenham grande entusiasmo pela operação Lava Jato e pelo juiz Sérgio Moro. Afinal, em meio a tantas notícias ruins, representam uma das poucas novidades a gerar esperança de dias melhores.

Mas é preciso lembrar que não haveria Lava Jato sem os avanços conquistados na Constituinte de 88, principalmente no que diz respeito à autonomia do Ministério Público. E essa operação não teria a dimensão e as consequências que acabou adquirindo não fossem as leis aprovadas nos últimos anos (ficha limpa, anti-corrupção, delação premiada etc.).

Tudo isso foi obtido com muita negociação, o que implicou um trabalho político competente, muito mais sutil e exaustivo do que o confronto puro e simples que se instalou nas redes sociais e que transborda para as ruas.  

Dentro de pouco tempo, inevitavelmente, haverá uma solução para o impasse político. E aí se dirá que o Brasil começa a mudar. Não. Ele já vem mudando há muitos anos. Depois da redemocratização, vieram o Plano Real, a lei de responsabilidade fiscal e muito mais, além do conjunto de leis contra a corrupção a que já me referi.

É importante, sem dúvida, encontrar uma forma legal, não golpista, de substituir quem não esteja à altura das exigências do momento presente. Mas ainda mais importante é aperfeiçoar as regras do jogo, as instituições e a organização do Estado brasileiro, para eliminar as causas da corrupção endêmica que nos persegue desde sempre e que chegaram a níveis insuportáveis nos últimos anos.

E isso não se obtém apenas com palavras de ordem em passeatas, nem muito menos aumentando o nível dos insultos nas redes sociais, que são instrumentos formidáveis para fomentar a circulação de ideias e o debate em torno delas.

Os jovens que estão à frente das grandes manifestações que sacodem o Brasil não se dão conta, talvez, do poder que adquiriram a partir do manejo dessas novas ferramentas tecnológicas. Quem lhes diz isso é alguém que fez nos anos 60, em plena ditadura, tendo como arma um velho mimeógrafo, do qual saiam manifestos que eram distribuídos de mão em mão.  

Mas é preciso que tenham consciência, também, de que as redes sociais, paradoxalmente, tem sido veículo do envenenamento do ambiente político, quando são usadas por todas as partes – com alcance, instantaneidade e velocidade inusitadas –, para gerar factoides, triturar reputações e induzir ao pensamento único.

Isso, que pode fazer todo o sentido agora, quando se está empenhado em ganhar a guerra, em breve se revelará um grave equívoco, quando, superada esta fase, estivermos diante da tarefa, infinitamente mais complexa, de estabelecer novas alianças e novos consensos, para construir, a muitas mãos, o país que queremos ser.

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Geraldo Vianna é advogado, consultor em Transportes, ex-presidente da NTC&Logística e Diretor da CNT.