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Olhe para fora do seu mercado para saber como operar no seu próprio mercado

por | fev 16, 2021 | Notícias

Fonte: Anuário NTC&Logística 2020/2021
Chapéu: Tecnologia

Vejo sempre muitos empresários e empresárias fazendo e buscando benchmarking para seus negócios. Eles procuram fazer benchmarking com empresas do mesmo segmento que são referência por ter adotado determinado processo, por ter criado uma solução ou pelos resultados que apresentam no mercado.

O benchmarking é o processo de avaliação da própria empresa em relação à concorrência. Ou seja, é uma atividade comparativa e de pesquisa com o que os concorrentes estão adotando no mercado. Uma empresa passa a adotar outra de seu segmento como um ponto de referência para verificar o desempenho da própria empresa em relação aos concorrentes.

Esse modelo de análise faz muito sentido para que uma empresa possa se atualizar e acelerar o passo para acompanhar o mercado. No entanto, a forma como é feito tradicionalmente já não serve mais para essa finalidade.

Você já notou como às vezes você não quer sair para um restaurante ou para um bar e prefere fazer um pedido pelo iFood, ou como deixou de ir ao cinema pra ficar em casa assistindo Netflix? Ainda mais agora com o mundo em pandemia.

A pandemia, nesse sentido, só agravou algumas coisas que já estavam acontecendo. Então vamos considerar um mundo pós-pandemia, em que já não teremos as restrições que temos provisoriamente para tentar conter a doença.

Se o iFood e o Netflix, duas empresas de tecnologia, estão afetando bares, cinemas e restaurantes, será que eu devo mesmo fazer benchmarking apenas com empresas do meu segmento? A Ford já respondeu essa pergunta há muito tempo.

Uma mudança brusca vinda de outro mercado

Há algum tempo, por volta de 2008, a Ford quase quebrou. Já apresentava resultados ruins desde antes da crise financeira. Alguns analistas chegaram a prever que a empresa iria à falência em alguns anos. Ela havia perdido US$ 12,7 bilhões no ano encerrado em dezembro de 2006, uma das piores perdas da história da empresa. Foi nessa situação difícil que Alan Mulally, ex-vice-presidente executivo da Boeing, aceitou encarar o desafio de se tornar o CEO da Ford, uma empresa em declínio.

A Boeing é uma das empresas mais importantes no segmento aeroespacial e de defesa. Quando estava lá, Alan foi chefe da divisão de aviões comerciais, tendo iniciado sua carreira como engenheiro e ocupando novos cargos lá dentro.

Alan assumiu o cargo de CEO da Ford em 2006. Bill Ford, então CEO da Ford, contratou Mulally para liderar a empresa, pois achava que apenas um estranho poderia tomar medidas drásticas para salvar a empresa. Mulally era conhecido como um executivo experiente em recuperar empresas em declínio, especialmente por conta do papel desempenhado na Boeing durante a crise que a indústria de aviões experimentou após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos. Era esperado que Mulally fizesse uma reviravolta semelhante na Ford Motors.

No entanto, havia muita apreensão sobre a sua indicação para o cargo mais importante na Ford Motors, já que ele não era da indústria automobilística. Segundo especialistas, a área é muito diferente da indústria de aviões.

A Ford apresentava diversos problemas que justificaram sua situação: devido às diversas aquisições que a Ford fez ao longo dos anos, a empresa estava desestruturada e faltava uma cultura. Além disso, os produtos tinham baixa qualidade e tudo isso resultava em baixa inovação da empresa.

Sob a criação do projeto “Uma Ford”, o novo CEO colocou os ativos da empresa em garantia de uma operação financeira para se alavancar financeiramente, mudou a cultura de autopreservação dos diretores para colaboração, criou novos produtos baseados em tecnologia (a central de mídia dos carros da Ford, por exemplo, virou referência para o resto do mercado) tendo como centro da criação o próprio usuário. Tudo isso foi possível por conta da visão de alguém de fora da indústria.

Isso é especialmente importante no contexto atual. Vemos quantos mercados sofrem disrupções repentinas, e muitos não têm nem o tempo de reagir. A Blockbuster, o mercado de táxis, a Kodak… são inúmeros os casos. As disrupções desses segmentos não vieram de empresas que atuavam no mercado deles. Afinal, não foi a Fujifilm que acabou com a Kodak.

Por isso, quando for fazer um benchmarking, não pense apenas em olhar as empresas que atuam no mesmo mercado que você. Veja como empresas de outros setores podem impactar a sua e mudar as regras do jogo. Aí sim você estará à frente do mercado.

Quais tecnologias são capazes de mudar o cenário logístico?

O setor logístico é muito amplo: aéreo, , fluvial, multimodal, micromobilidade, são inúmeras as possibilidades de atuação dentro deste segmento, por isso é um cenário muito complexo.

Apesar disso, existem algumas tecnologias e comportamentos surgindo fora do mercado logístico e que podem impactar fortemente o setor. Essas tecnologias não estão surgindo necessariamente dentro do seu setor e, por isso, é importante olhar para fora. O benchmarking não deve ser feito apenas dentro do seu segmento.

A micrologística foi recentemente disrompida pelos patinetes elétricos – que estão atualmente em um momento decisivo, pois o mercado já vinha sofrendo ataques por questões de saúde pública (segurança dos usuários) e urbanismo, e agora sofre com os efeitos da pandemia.

O segmento de última milha (last mile), por sua vez, foi fortemente impulsionado pelo surgimento e pelo crescimento do e-commerce. Última milha significa, de forma simplificada, o transporte em que a mercadoria sai do centro de distribuição para o destino final (o cliente que adquiriu determinado produto). Por conta desse segmento, surgiu até uma mão de obra específica para fornecer tal serviço. Hoje o segmento tenta lidar com o problema de logística reversa por conta da legislação que permite o direito de arrependimento do consumidor em até 7 dias. De outro lado, empresas que conseguiram dominar a estratégia tornaram-se enormes – veja o caso da Amazon, por exemplo.

Criados inicialmente para fins militares, os drones agora são testados em Campinas pelo iFood para entrega de comida e podem ter o potencial de afetar exatamente o segmento de última milha estimulado pelo e-commerce.

Todos esses são alguns exemplos de tecnologias que surgiram fora do segmento logístico, mas que têm impactos diretos no setor. Esses exemplos parecem lidar apenas com questões menores, mas é possível verificar outros casos que podem impactar fortemente o segmento.

Recentemente, uma startup de Brasília anunciou a criação de uma casa a partir de impressão 3D. A princípio, uma impressora 3D não tem relação direta com logística. No entanto, se as pessoas puderem imprimir produtos em casa, não será necessário um centro de distribuição, tampouco estoque físico, muito menos o deslocamento de pessoas até as lojas. Se isso agora é aplicado na construção civil, o volume de logística de materiais nas obras também cai.

A implementação da internet 5G no Brasil, a partir do ano que vem, pode desenvolver o mercado de internet das coisas. O que pode, por exemplo, gerar oportunidades para o segmento de logística, já que os dispositivos poderão enviar informações sobre disponibilidade para armazenamento, necessidade de itens, dentre outros.

Esses são exemplos de tecnologias que surgem fora do segmento de logística, mas que têm potencial de influenciá-lo, gerando ameaças ou oportunidades. Para que a sua empresa se prepare, basta analisar quais são as ameaças e as oportunidades que surgem com esses cenários para definir como serão as respostas. Antecipar-se a esses momentos é importante para conseguir gerar respostas adequadas a esses acontecimentos. Por isso, olhe sempre para o que está acontecendo em outros mercados. Afinal, você já olha o seu mercado todo dia.

Erik Fontenele Nybo

Cofundador da Bits Academy, autor do livro O Poder dos Algoritmos (editora Enlaw), coordenador de curso no INSPER e professor na St. Paul.