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Transporte de safra recorde de soja desafia o Rio Grande do Sul

por | abr 13, 2021 | Notícias

Fonte: Jornal do Comércio
Chapéu: Agronegócio

Uma grande safra de soja começa com investimento em tecnologia (de sementes a máquinas), passa por diferentes fases (do plantio à colheita) e está sempre de olho no clima. Depois desta etapa, seja em grandes fazendas ou pequenas propriedades rurais, vem a segunda, e também fundamental, fase. É quando o grão deixa a área rural para trás e precisa pegar estrada, em um caminho que termina, na maior parte dos casos, no porto de Rio Grande.

Colhendo neste ano um volume recorde de soja, próximo de 21 milhões de toneladas, os agricultores podem comemorar uma produção elevada justamente em um ano marcado pelo preço das commodities em alta. Devem, no entanto, enfrentar dificuldades para retirar o grão da lavoura e colocá-lo sobre rodas.

Há falta de caminhões graneleiros para transportar a soja ao porto, para cerealistas e indústrias de beneficiamento, em um princípio de “apagão” logístico que ameaça o Estado. O cenário preocupa entidades como as federações da Agricultura do Estado (Farsul ) e das Cooperativas Agropecuárias (Fecoagro), assim como a Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja).

O cenário pode se agravar em breve, com a colheita entrando em ritmo acelerado a partir de agora, explica o economista-chefe da Farsul Antônio da Luz. “Já há produtor desesperado. Alguns estão colhendo e não sabem onde deixarão o grão porque não conseguem caminhões para o transporte. Aqui, ao contrário do centro-oeste, não se pode deixar o grão simplesmente largado no solo. O risco de chover é muito maior”,

O economista ressalta que este “apagão” somente não ocorreu no ano passado devido à quebra da safra com a estiagem. Em 2020 foram apenas 11,4 milhões de toneladas, ante as mais de 20 milhões previstas para o ciclo atual. Luz calcula que transportar todo o excedente de safra neste neste ano equivale a uma necessidade de 330 mil viagens a mais caminhão do que em 2020. O cálculo leva em conta que cada caminhão transporta cera de 30 toneladas e que o Estado colherá cerca de 10 milhões de toneladas a mais. Ainda que parte seja escoada por via férrea, o percentual é reduzido perto de toda a necessidade – e ínfimo por hidrovia.

O desafio de escoar esta safra recorde, que tradicionalmente já padece com estradas vicinais, mal conservadas, se agrava neste ano e tem custos de frete em alguns casos até mais de 100% superiores ao não passado. Segundo produtores, depois de sair da porteira, já sobre o caminhão, começa o drama de transitar por longas vias terra, pedra e buracos – o que encarece e atrasa ainda mais o transporte.

Como as prefeituras tiveram economias combalidas pela pandemia e os poucos recursos ainda precisaram ser direcionados à Saúde, a conservação destes trechos de responsabilidade municipal ficou no retrovisor. Há, porém, atenuantes que devem ajudar a evitar alguns problemas pelo caminho e, de acordo com lideranças rurais, a logística gaúcha ainda tem uma estrutura melhor do que muitos Estados. E, ao menos no porto, o cenário é bastante positivo, já que o aumento do calado em 2020 permitirá que navios agora saiam daqui com a carga plena.

Até o ano passado um graneleiro com capacidade de 66 mil toneladas saia do Rio Grande do Sul rumo a seus destinos no Exterior com apenas 60 mil. Ou precisava esperar a maré subir para poder dar início à navegação pelo Oceano Atlântico sem risco de encalhar no canal. A capacidade de estocagem gaúcha também é um diferencial, de acordo com Décio Teixeira, presidente da Aprosoja/RS e vice da associação nacional.

“O Rio Grande do Sul tem uma boa logística, apesar de estradas um pouco cheias de solavancos e uma malha ferroviária que, por mais devagar que ande, existe. É diferente de outros grandes produtores, como o Mato Grosso. Mas precisa melhorar, bastante”, alerta o presidente da Aprosoja.

Mesmo com um conjunto de silos e armazéns ampliados nos últimos anos, graças especialmente a investimentos privados, Teixeira diz que poderá faltar espaço para guardar a soja já em abril.

“Isso mesmo com problemas na colheita do milho, porque as vezes não dá tempo de tirar o grão, já que ele sede lugar para armazenar a soja. Hoje temos em torno de 40% colhido, mas quando chegar entre 60% a 70% colhido talvez já tenhamos dificuldade de armazenagem”, estima o produtor.

Colheitadeiras aceleradas e transporte em marcha lenta

As grandes colheitadeiras que estão retirando da terra a soja, que alimenta a economia do Estado, o fazem em um ritmo acelerado. E por isso os produtores também precisam contar com uma das duas alternativas para escoar o grão: ou tem uma grade capacidade própria de estocagem ou contrata dezenas caminhões para levar a produção ao seu destino.

Mais de 80% do transporte é por rodovias, pouco menos de 20% por ferrovia e um percentual ainda irrisório por hidrovias. Ou seja, o grão depende de uma quantidade gigante de caminhões para que se transforme efetivamente em ganhos, já que para receber o produtor primeiro precisa entregar a mercadoria, ou entregá-la assim que colher, nos casos de venda antecipada.

Nesta safra, em meio às incertezas da estiagem, o produtor não tinha muita confiança para prever todo o volume de embarques necessários atualmente – já que muitos temiam perdas com a falta de chuva, e não uma safra recorde. Agora, conseguir caminhões graneleiros para retirar o grão da propriedade tem sido um desafio que vai além do preço do frete.

O relato do diretor do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga e Logística (Setcergs), Ramiro Talayer, deixa clara a realidade que os produtores estão enfrentando.

“Um cliente, produtor de Santa Vitória do Palmar, nos pediu no final de março 70 caminhões para carregar soja. O que conseguimos enviar foi 10 caminhões. Expliquei que nenhuma transportadora ,por maior que seja, conseguiria atendê-lo assim, de bate-pronto, mesmo ele oferecendo um valor bem atraente”, conta Talayer.

O representante do Setcergs afirma que as demandas em cima da hora e em volumes superiores aos normal marcam este ciclo de produção. Na contramão desta mesma demanda, assegura, está a falta de caminhões no mercado.

“Faltam caminhões no mercado para suprir isso tudo, também pelo agravamento da pandemia com falta de matéria-prima para a produção dos veículos. Na compra de um caminhão zero o fabricante pede hoje até oito meses para entregar um veículo”, exemplifica Talayer.

Talayer destaca que os produtores estão contratando o serviço para até o triplo da necessidade do ano passado e com prazo menor. E como a safra é um “cliente” sazonal, as empresas do setor não conseguem ter caminhões suficientes para deixar de reserva neste período.

“As transportadoras não tem mais muita capacidade ociosa, como já chegou a ocorrer em anos anteriores, e tem de atender outros clientes e compromissos já assumidos. Produtores que antes pediam cinco caminhões hoje pedem 15, o que é mais do que o dobro”, conta Talayer.

Talayer também se prepara para uma morosidade maior não só no carregamento, e função das estradas vicinais em estado mais crítico, quanto para a chegada e desembarque dos caminhões no porto. Ele avalia que a espera para descarga em Rio Grande, que tradicionalmente leva de 2 a 3 dias nesta época do ano, pode ser maior em 2021.

Além de não conseguir caminhões graneleiros para resgatar a soja na propriedade na velocidade ideal, produtores, cerealistas e indústrias arcarão com valores bem acima de 2020. Em alguns casos e praças, a alta é de até 40% ou mais, carregando o peso dos pedágios e do combustível, em relação a março do ano passado, calcula o economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz.

Como a safra deste ano foi vendida de forma antecipada em um volume histórico, de cerca de 35% ante média abaixo de 30% nos anos anteriores, pode haver logo neste início de colheita uma necessidade concentrada de caminhões. Por outro lado, diz Fábio Rodrigues, coordenador da área de Infraestrutura e Logística, o produtor tem poucas alternativas para guardar o próprio grão.

“A nossa capacidade estática de armazenamento nunca é suficiente, e menos ainda neste ano. Há necessidade de colher e logo mandar o grão para o asfalto, mesmo investindo para ampliar a capacidade nos últimos anos, a área plantada também cresceu. É como se mesmo investindo tivéssemos ficados parados”, analisa Rodrigues.

A situação do fluxo de caminhões nas estradas, com afunilamento em muitas rodovias e na própria chegada ao porto, só é amenizada em parte pelo transporte férreo e pelo uso da hidrovia. Rodrigues diz que o Terminal Santa Clara, apesar do pouco uso para grãos, ao escoar a produção metalmecânica da Serra e da Região Metropolitana por água até Rio Grande contribui cada vez mais para reduzir o tráfego nas rodovias.

“Também temos a Bianchini fazendo o transporte de grãos pelo rio Gravataí e Caí, a partir de um terminal grande em Canoas, mas poderíamos ter tudo isso muito mais otimizado” acrescenta Rodrigues.

No caso do transporte por vias férreas até o porto, avalia o representante da Farsul, ainda precisa de melhorias, como na substituição de vagões antigos para permitir uma operação mais rápida. Assim como operação eficiente na carga e na descarga, o que não foi feito em termos de investimento nos últimos anos por diferentes razões, de acordo com Rodrigues. Procurada para falar sobre melhorias feitas na malha gaúcha e que beneficiariam o transporte de grãos por este modal no Estado, a Rumo Logística não respondeu aos questionamentos enviados pelo Jornal do Comércio.

Cerealista diz que gargalo no transporte é um problema crônico do Rio Grande do Sul

Para o presidente da Associação das Empresas Cerealistas do Estado (Acergs), Roges Pagnussat, uma parcela considerável dos ganhos do agronegócio são “comidos” pelas rodovias.

“As principais, maiores e mais importantes estradas para o agronegócio gaúcho são pedagiadas de ponta a ponta, e com os valores mais caros do Brasil”, critica Pagnussat.

Pagnussat calcula que mais de 50% da produção deve sair imediatamente das fazendas para a estrada. Seja para Rio Grande ou para as indústrias, o que leva à concentração de cargas em abril, mesmo que a janela de exportações vá até junho. Além dos 35% comercializados antecipadamente, o produtor está aproveitando as boas cotações para fechar mais vendas imediatas.

“Com isso, mais de 50% da produção será direcionada rapidamente ao porto e empresas de produção de biodiesel. São cerca de 10 milhões de toneladas que rapidamente são transferidas das lavouras para o mercado”, detalha o presidente da Acergs.

E como a velocidade de colheita no Estado é forte, sem a respectiva equivalência e armazenagem e transporte, o cenário não é dos melhores para o produtor e nem para as empresas que comercializam o grão, reforça Pagnussat. Para solucionar o problema seria necessária armazenagem extra de 5 milhões a 7 milhões de toneladas de grãos, cerca de 30% a mais do que temos hoje, estima o cerealista.

“Transporte, embarque e armazenagem não estão no mesmo patamar com que avançou a velocidade e o tamanho das colheitas nos últimos cinco anos, principalmente. Com mais armazenamento se conseguiria diluir o frente em mais tempo, e assim também o custo”, pondera ele.

De acordo com a Acergs, a capacidade total de armazenagem do Rio Grande do Sul hoje é em torno de 30 milhões de toneladas, para todas as safras, o que limita a estocagem.

Calado mais profundo no porto beneficia exportações

Enquanto nas estradas o produtor encontra dificuldades e custos elevados, na reta final para exportar o grão e convertê-lo em dólares o cenário é positivo. Diretor do complexo Termasa/Tergrasa, Guilhermo Dawson estima que a safra de soja pode alcançar até 22 milhões de toneladas nesta safra.

Deste volume, cerca de 13 milhões rumariam quase direto ao porto. Que agora pode receber navios cargueiros maiores e partindo da cidade com carga cheia.

Depois de dois anos de obras de dragagem, com investimento federal de R$ 500 milhões, o porto gaúcho passou a receber embarcações de até 366 metros de comprimento, 29 metros a mais do que antes da remoção de mais de 16 milhões de metros cúbicos de sedimentos do local.

O calado aprofundado no ano passado permite agora embarques em navios com carga cheia, o que reduz o custo e possíveis riscos de falta de espaço para cargas que assim precisariam ficar esperando sobre caminhões no porto.

“Já temos navios inclusive aguardando essa soja chegar no porto de Rio Grande ou vindo para cá. Vamos ter dificuldades para chegada desta soja toda até o porto, mas do porto para o exterior não visualizamos nenhum problema”, assegura Dawson.

No dia 8 de abril, 22 navios estavam cruzando o Oceano Atlântico a caminho de Rio Grande, todos para carregar soja e com capacidade em torno de 66 mil toneladas cada – o que equivale a cerca de 1 milhão de sacas. No ano passado, com a estiagem, houve redução nos embarques e foram exportados por Rio Grade 9,2 milhões de toneladas. Neste ano serão cerca de 60 navios a mais transportando o excedente de produção, calcula o executivo.

O grão que já está rumo ao porto chega de todos os lados, lembra Dawson. Ele compara cada produtor a indústria exportadora que levará sua mercadoria até o porto.

“Diferentemente de umagrande indústria ou um polo exportador concentrado, como é o caso da indústria metalmecânica de Caxias do Sul, a soja vem de todos os cantos do Estado a partir de milhares de produtores”, ilustra o responsável pelas operações do complexo Termasa/Tergrasa em Rio Grande.

Apesar dos avanços, Dawson ressalta que o Rio Grande do Sul ainda precisa de mais investimentos na área portuária, já que há um déficit de investimento grande a ser recuperado.

O último grande investimento na área portuária foi em 1992, diz o executivo. A maior e mais urgente necessidade é na duplicação do píer.
“Temos um investimento pleiteado junto ao governo do Estado na ordem de R$ 750 milhões.

O último investimento neste setor foi há 28 anos. E quanto a safra gaúcha já se expandiu neste período? Dobrando a área do píer elevaria nossa capacidade de embarque de 1,5 mil toneladas hora para 6 mil toneladas”, defende Dawson.

Estocar em silos bolsa é solução até que a safra seja escoada

Uma alternativa pouco adotada pelos produtores gaúchos para armazenar a safra ganha peso no Estado devido a falta de transporte para escoar a atual produção. Os silos bolsa, bastante usado na Argentina, por exemplo, tiveram a procura ampliada por aqui neste ano.

Sem conseguir caminhão para o transporte, ou por medo de não obter o serviço de transporte na quantidade necessária, agricultores de diferentes regiões estão investido nesta solução emergencial.

Alessandro Jung, proprietário da Silo Press, conta que a demanda cresceu até 100% em alguns estados, mas no Rio Grande do Sul o uso ainda é restrito. Parte dos produtores, preocupados com a armazenagem e transporte, está desocupando silos com trigo às pressas para coloca lá a soja.

O entrave, diz o também produtor rural, é o preço atual do produto, que sofre restrições com o preço da resina para produção da ráfia, com alta próxima mês a mês desde o final do ano passado.

“Eu comprei por R$ 1,6 mil cada bolsa, a vista, em 15 de janeiro. Preciso ter sempre uma reserva de 50 unidades. Fui comprar mais cem em 6 de fevereiro e o valor já passou para R$ 1,8 mil. E não existe mais para pronta entrega”, diz Jung.

José Domingos Teixeira, coordenador do núcleo da Aprosoja de Tupanciretã, também destaca que o armazeamento próprio com silos bolsa cresce também como ferramenta financeira.
Ao reservar parte da produção consigo, os produtores tanto podem negociar mais tarde o grão (em busca de melhor cotação) quanto o frete em um período de menor demanda (e com menor preço). Cada silo bolsa, explica Jung, pode armazenar 200 toneladas, ou cerca 3,3 mil sacas de grão, e tem cerca de 60 metros de comprimento.