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Como previsto, os juros arruinaram a relação dívida/PIB

Como previsto, os juros arruinaram a relação dívida/PIB

Saí de férias, mas a crise não. Se o governo teve um refresco na pauta do impeachment – que tende a esquentar novamente nos próximos dias, com o fim do recesso parlamentar – a economia não deu refresco ao país, e continua produzindo más notícias todos os dias. Já a Lava Jato segue o seu script, mais ou menos previsível, tendo como grande alvo, agora, o ex-presidente Lula. Tudo como dantes, só que cada vez mais complicado…

A presidente da República ressuscitou o seu “Conselhão de notáveis” (mais de 90) – no qual, por sinal, não notei ninguém que represente nem de longe o setor de Transporte. Mas não o reuniu para se aconselhar, senão que para buscar plateia qualificada para aplaudir suas propostas “de mais do mesmo” (no caso, mais crédito consignado, bancado pelo Fundo de Garantia do trabalhador), além de uma vaga ideia de reforma previdenciária e, claro, do discurso monocórdio de recriação da CPMF, como único meio de reequilibrar as contas públicas, inclusive dos Estados. Se for para compor essa “claque de notáveis” e para supostamente discutir uma pauta tão pobre, acho que o Transporte não deve mesmo postular participação. Melhor ficar longe disso.

Mas é imprescindível e urgente buscar articulação com outros setores e com instituições da sociedade civil para se opor a essa de juros estratosféricos que o Banco Central tem imposto ao país. Os que acompanham as minhas palestras e artigos sabem que estou entre aqueles que nunca se conformaram com este despropósito, a que tenho combatido, de modo especial desde o início do segundo mandato da presidente Dilma.

Elevar juros visa sempre a esfriar uma economia que esteja muito aquecida e que, por isso, apresente uma inflação de demanda. Ao contrário, reduzir juros tem a finalidade de animar a economia e de retomar o crescimento, como acaba de fazer o Japão, anunciando a sua nova fase de juros negativos.

Ora, claramente, a inflação com que temos convivido ultimamente não pode ser de demanda, porque esta esfriou já faz algum tempo. Ela tem sido alimentada, isso sim, pela alta de preços administrados (tarifas públicas, energia, combustíveis, taxas etc.), portanto gerada pelo próprio Governo. Num quadro como este, aumentar os juros só serve para retroalimentar o processo inflacionário e inibir a atividade econômica, gerando o pior dos mundos: a estagflação.

E é ainda mais grave insistir nessa solução, quando se sabe que, além de gerar recessão e de alimentar a inflação, ela promove uma brutal transferência de renda para o setor financeiro, em detrimento dos setores produtivos e das famílias. Se alguém ainda tem dúvida a respeito disso, sugiro que preste atenção nos balanços dos grandes bancos privados no ano passado, quando todo mundo perdeu dinheiro, menos eles, claro. Como era previsível, os bancos realizaram os seus maiores lucros de todos os tempos.

O sistema é de vasos comunicantes. O dinheiro que estava de um lado foi todo para o outro – para os bancos e para o setor rentista, de modo geral – sugado pelas taxas de juros inaceitáveis que aqui são praticadas, sob as bênçãos do Banco Central que, por acaso, é também a “agência reguladora” das instituições financeiras.

Você pode duvidar disso, porque, afinal, todos os economistas importantes que ocupam os espaços nobres da mídia continuam a sustentar, quase em uníssono, que os juros precisam continuar altos para que a inflação não suba mais. Será?

É bom começar a examinar a procedência e as vinculações desses profissionais, quase todos ligados, de alguma maneira, ao setor financeiro. Atrevo-me a colocar em dúvida a isenção deles, embora alguns ostentem vistosos currículos. Prefiro me alinhar a economistas independentes, professores de algumas das mais importantes universidades norte-americanas e detentores do Prêmio Nobel de Economia, como Paul Krugman (em 2008) e Joseph Stiglitz (em 2001), por exemplo. Eles não são muito populares nas nossas colunas especializadas em economia, porque, como se sabe, são críticos do receituário liberal e não aprovam medidas ditas de austeridade que comprometam irremediavelmente a possibilidade de crescimento e de geração de renda dos países, e que desorganizam os serviços públicos e os programas sociais, mergulhando governos e sociedades num turbilhão de problemas muito mais danosos do que aqueles que se pretendia combater.

Chega a ser escandalosa a forma como essas “soluções” são impingidas pelos setores que delas mais se beneficiam – e que, aliás, são os mesmos setores que sempre defenderam a independência e autonomia do Banco Central. Vejo muita gente de boa fé embarcando nesse discurso. Mas é de se ponderar: se, mesmo sem a tão cultuada autonomia do Banco Central, a política monetária tem sido conduzida de forma tão favorável ao setor financeiro, como seria se o órgão regulador não estivesse sujeito ao controle político, sensível unicamente aos humores dos “mercados”? Já aprendemos que política monetária e populismo são uma mistura muito perigosa. Mas o oposto talvez seja ainda pior.

Quando o ex-ministro Joaquim Levy tomou posse e anunciou a que vinha, todos se lembram que um dos pontos considerados vitais para a manutenção do grau de investimento – que afinal acabou sendo perdido – era evitar a deterioração da relação dívida/PIB. Na ocasião, sustentei que não poderia ser coerente com este objetivo uma solução baseada no aumento ensandecido das taxas de juros, porque isso faria explodir a dívida pública, a despeito do esforço de corte de gastos que pudesse ser feito pelo Governo. E, de outro lado, a recessão decorrente de tal política encolheria necessariamente o PIB, de modo que seria inevitável, por este caminho, a tão temida piora da relação dívida/PIB.

Dito e feito. Os números relativos ao exercício de 2015 acabam de ser divulgados pelo Banco Central. Confirmaram-se as piores expectativas. A dívida pública disparou e fechou o ano em 66,2% do PIB, com um crescimento de pouco mais de 9 pontos percentuais, passando de R$ 3,252 trilhões para R$ 3,928 trilhões – um salto de R$ 676 bilhões, dos quais R$ 501,8 por conta dos juros incidentes sobre o saldo da dívida. Ou seja, 74,1% do crescimento da dívida em 2015 se deveram aos juros. E isso fica meio escondido na divulgação – pelo menos na matéria que eu li, publicada na FOLHA de 30 de janeiro último, pág. A-24, em que o destaque é para o déficit primário de R$ 111,2 bilhões e para o pagamento das famosas “pedaladas”, que chegaram a R$ 55,8 bilhões.

Em suma, não dá para um país do tamanho e da importância do Brasil continuar refém de uma política econômica que desestimula o investimento e a geração de empregos, que penaliza fortemente todas as atividades econômicas para servir apenas ao rentismo, numa volta aos tempos do “cassino Brasil”, na expressão consagrada por Antonio Ermírio de Moraes, nos anos 80 e 90, antes do Plano Real.

Geraldo Vianna é advogado, consultor em Transportes, ex-presidente da NTC&Logística e Diretor da CNT.